sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A velha




O ônibus sacolejava naquele silêncio mefítico de inumanidade. A velha seria como todas as outras, não fosse por uma atmosfera sobrenatural de solidão disfarçada. Entrou pela porta da frente, com seu vestido leve e vermelho, os cabelos artificiais e o rosto coberto de maquilagem. Um perfume doce se apossou de minhas narinas. Instantaneamente, concluí que ela era viúva e se chamava Josefa.

Ah... o ar da viuvice e da solidão! Não há como disfarçá-lo. A gente sempre capta a atmosfera perdida de coisas velhas, a alma ferida de um amor que um dia se esfarelou como um pedaço de pão mofado.

Não havia lugar para Josefa no banco da frente, onde um garotinho brincava distraído com seu carrinho vermelho. As vozes das pessoas começavam a me sufocar aos poucos, sibilos repletos de gelidez e preconceito. Tudo o que me prendia a esse mundo de poetas deslocados era a doce cena da velha que mudamente clamava por um assento.

— Garotinho, disse por fim, cansada de tudo e ainda esperançosa por um futuro qualquer. Deixe eu me sentar aí. Você pode sentar no meu colo se quiser. Desço no ponto da igreja.

Sentou-se, ainda mais velha e cansada. Mas, agora, uma brisa fina de dezembro balançava seus cabelos leves e descoloridos. Um sorriso de prazer esquecido iluminou-lhe a face e percebi que também não tinha netos. Uma coisa estranha começava a me corroer por dentro.

Vi uma jovem que corria entre abraços com seu namoradinho pelos canaviais férteis de uma fazenda. Tudo tão simples e puro! Mas ela seria punida. A brutalidade colocaria aquela inflexível aura de rigidez na sua face. Casar-se-ia com outro, por interesses familiares, teria filhos desvirtuados que a fariam sofrer por longos anos sem dar-lhe neto algum. Por fim, todos morreriam ou partiriam e ela ficaria só, na sua velha casa de madeira, na encosta de um morro qualquer, até que um deus fizesse a bondade de cobrar-lhe o sopro emprestado por Eva.

Agora, ela estava ali brincando, com um garotinho no colo. Não nego que senti um vazio no peito quando ela desceu, dois pontos antes da igreja, para poder caminhar um pouco – quem sabe, encontrar alguém com quem conversar. O silêncio era ainda mais assassino agora. Não deixei que vissem a lágrima quente que me tocou o rosto.

Dizem que sou sensitivo. Até acredito. Minhas crenças permitem compreender tal presente cruel com o qual os deuses servem a humanidade. Mas, acredito que não seja isso que me fez chorar. Penso que todos aqueles que têm sua hora marcada nas linhas da Tecelã sentem-se vazios diante da velhice. O conforto de uma vida plena que não sabemos se existe.

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