sábado, 13 de fevereiro de 2010

A rosa e o rei


A cada mil anos, a rosa de Smukke horisont nasce nos jardins férteis de Andromedha. Uma flor tão nobre e rara que, conforme contava-nos os anciãos, tivera sua semente criada pelo próprio deus de Aquária. Depois de colhida, a rosa escolheria o rei ao qual se entregaria e, ao desabrochar, um lindo diamante brotaria de suas rubras pétalas. Caso não encontrasse alguém que fosse digno de possuí-la, secaria até a morte, sem deixar qualquer lembrança de sua nobre existência sobre a terra. A raríssima pedra preciosa jamais seria vista por qualquer mortal.
Todas as manhãs, o rei de uma terra longínqua e fria observava, através de uma janela embaçada, o canteiro de flores, hipnotizado pela beleza do botão que jamais desabrochava. Sentia-se distante da bela criação divina, mas sabia que, dentre tantos reis que havia no planeta, ele era o único que seria capaz de cultivá-la com carinho e colher a pedra que nasceria de seu ventre. Assim, tomado pelo desejo intenso de possuir o mais cobiçado objeto de todo o planeta, o rei encheu-se de uma esperança viva e verde.
Mas porque só observá-la quando a distância que os afastava era tão pequena?, pensava o rei, repleto de um sentimento irracional que lhe dominava o íntimo. Corajoso, atravessou o longo corredor de pedra que afastava seu palácio do jardim de Andromedha e, sob o olhar chocado dos outros reis, escancarou a enorme porta de ouro maciço e colheu o pequenino botão. Cuidadoso, colocou-o em um jarro de cristal, regando-o meticulosamente com a nobre água dourada das fontes de Drikke.
Quando a lua pálida tocou o céu de Andromedha, os mais poderosos reis vieram de todos os cantos da terra, para se sentarem à mesa de mármore e participarem do ritual que definiria o escolhido da rosa de Smukke horisont. Trêmulo, o rei fechou os olhos e se deixou dominar por uma prazerosa calmaria que, como uma prece cantada ao alvorecer, aliviava-lhe o desesperante vazio de não ter a rosa inteiramente para si – sem duelos, sem escolhas – e viver apenas para sentir seu doce perfume, tocar suas delicadas pétalas, aguardar ansiosamente pelo precioso fruto de amor com o qual a amada o presentearia antes de partir.
Naquele instante de silêncio, o amor pela rosa lhe tocara a alma com tamanha pureza que o rei sentiu, imediatamente, que a preciosa flor já o escolhera para si. Quando ele abriu os olhos, ela já começava a desabrochar. Durante trinta preciosos segundos, iluminar-se-ia com uma pureza vitral, depois, suas pétalas cairiam lentamente, como um alvo floco de neve que toca a imensidão branca e fria das terras de gelo que circundam Andromedha. Por fim, o raríssimo diamante se mostraria aos reis, que tentariam tocá-lo, mas apenas um seria marcado com o símbolo da escolha. Somente um dos reis seria digno de dividir sua medíocre vida humana com o fragmento do mundo dos deuses que miraculosamente tocava a terra com seu esplendor.
No entanto, foi no exato instante em que seus olhos se desviaram do encantamento da rosa, que o rei percebeu o quanto fora tolo e o quanto se enchera de uma esperança ilusória. Observou as mãos de cada rei, detendo-se em um único pequenino detalhe que escapulira de sua compreensão durante o frenesi da paixão platônica. Todos os reis, exceto ele, possuíam em seus dedos um delicado anel de ouro com o símbolo de Vênus. Todos os reis, exceto ele, eram abençoados pela feminilidade maternal que atraía a rosa. Por que ele não possuía tal objeto? Por que um rei tão inteligente e sábio, tão belo e encantador, não recebera tal presente que lhe permitiria o dom de ser elegível? Não havia resposta. Ele não precisava do anel, não o queria, mas sabia que a rosa só o escolheria se ele possuísse a marca divina. O anel era mais do que uma força da natureza, uma imposição divina, era o único elemento necessário à felicidade da rosa. Não importa o quão estúpido, ou feio, ou pobre fosse o rei, a rosa era atraída pelo anel e jamais escolheria um rei que não o possuísse.
Era indefinível a expressão do rei quando se levantou da mesa, antes mesmo do desabrochar da rosa. Não era triste, não era feliz, era apenas uma alma vazia de qualquer sentimento, confrontada abruptamente com a imensidão da própria fraqueza.
Uns dizem que o rei ficou eternamente vagando pelos jardins de Andromedha, amargando a dor de não ter o anel dos deuses. Outros dizem que o rei foi dizimado pela ira dos deuses, ao tentar enganar a rosa de Smukke horisont com um anel falso. Mas não, nada disso aconteceu. Apenas eu sei o destino daquele infortunado rei: Prometeu à rosa que esperaria mais mil anos e voltaria com um anel de Vênus, mas concluiu que jamais suportaria tal espera. Não sofreu, não morreu, não enlouqueceu – apenas entregou-se à busca de outras jóias mais raras, que fossem capazes de escolhê-lo, mesmo sem a marca especial, e amá-lo incondicionalmente.
O Colatinista, 11/02/2010