sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ao infinito...


E quando do silêncio absoluto emergem as notas suaves, tristes, perdidas de um lamento esquecido há muito tempo, nada mais resta àquele corpo cansado senão esperar. Triste, convicto da estranheza da própria existência, sorri. Olha para o sol distante, rubro, sumindo no horizonte, e respira um ar gélido – tudo tão simples como a borboleta que destrói o casulo para o renascimento. Sozinho, toca o próprio ventre. Percebe algo como uma pontada dolorosa, um murmúrio de algum deus ou homem soprando uma verdade inevitável em seu ouvido já cansado dessa intermitente rotina chamada vida. Convicto de que o momento enfim chegara, murmura: é hora de morrer.


A morte, no entanto, não é tão simples assim. O pobre coitado terá de definhar aos poucos, sofrer de uma angústia silenciosa e triste por um período inevitavelmente necessário. Será que essa pobre criatura pensou, em suas vãs divagações, que o privilégio de viver em outro mundo não exigiria de si alguns sacrifícios, uma certa dor que o faria capaz de merecer o grande privilégio que é partida desse mundo de caos?


Ele senta no seu velho banco de madeira. Não catará mais latinhas, não sentirá mais o doce hálito da manhã engolfando-o para a imensidão de dias mais coloridos. Nos próximos meses, terá de abrir mão daquela simplicidade nobre que o torna digno de si, merecedor da própria identidade. Perderá peso. Perderá a jovial alegria que cultivara até os cento e poucos anos. Perder-se-á a sim mesmo, engolfado no tristonho marasmo que é a pré-morte, sonhando com o mágico momento da recém-nova-vida.


Cantar, sorrir, gritar eh-eh: tudo isso se apagará lentamente, como um longa-metragem que termina e só resta o velho filme, correndo, a imagem turva, o público aguardando que o responsável pelo cinema apareça e conserte tudo, faça a película continuar, permita que as pessoas voltem a sorrir, voltem a chorar, beijar, amar, viver o saboroso instante da pipoca misturada com o chocolate na enorme bacia. Não! O filme não será consertado! Não agora! A moira* já começa a desfiar o tênue fio, que em breve irá se partir. Então, o vazio. O nada. A morte. Depois? Nova vida!


Seu nome é José Bispo. É um homem feliz. Nasceu como um lótus no meio da lama e teve a sorte de ter sido colhido a tempo de não perder totalmente o esplendor. Viveu feliz nesse mundo, foi amado por uma enorme família que o conhecia como Moninho ou, simplesmente, Bibi. O Bibi de Colatina, o amigo de todos. Sofreu na infância, viveu feliz e morrerá com dignidade.


É para você, meu velho amigo, que dedico essas linhas de palavras soltas que pretensamente chamo de literatura. É para você, meu Moninho, que entrego essa lágrima singela e esse suspiro triste. É para você, também, que clamo: vá, meu amigo, para as terras onde sua simplicidade será sempre compreendida e jamais ridicularizada! Vá, Moninho, caminhar em ruas nas quais jamais o ferirão, subir em árvores das quais jamais cairá! Vá, eterno menino, viver em um mundo mais justo! Vá ser feliz, porque essa terra de imundícies nunca foi lugar para uma existência tão pura! Vá ser imortal, porque inesquecível com certeza você sempre foi.

*Na mitologia grega, as moiras eram as três irmãs que determinavam o destino dos deuses e dos seres humanos.