sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Flocos de poesia



“Os ventos frios do Sul!... as massas frias!...(Amada neve!)[...] Se pudesse chegar pelos ares , sem maltratar as plantas, sem molestar ninguém... Se viesse como um jardim branco desfolhar-se pela paisagem! Se fosse apenas uma festa cintilante... um brinquedo dos ares... uma alegria da água desenhando-se e apagando-se em nossas mãos! – um verso do inverno, caindo do céu, letra por letra!...”¹

Há maneira mais sublime de se iniciar uma crônica, na semana em que comemoramos o Dia da Poesia, do que com a inigualável prosa de Cecília Meireles? Sim, meus calorosos leitores, essa semana os amores se tornam mais belos, os cânticos mais suaves, os pássaros mais cantarolantes! Essa semana, a magia da poesia embala o ar doce das manhãs, acompanhada pelos flocos brancos e gélidos de nossa amiga Cecília.

Entusiasmados pela atmosfera da literatura é que percorremos os caminhos errantes pelas veredas de um mundo onde as palavras são vivas. Recordamos A Paixão, que segundo GH, é misteriosamente crua e conectada com o mundo Divino. Ouvimos alguma poesia, musicalizada em versos simples e tocantes pela voz de um mestre. Ficamos na mágica solidão do silêncio por cem anos, apenas ouvindo estrelas e a voz pacificadora das amendoeiras.

Por uma única semana, os céus não são céus e a terra não é terra, porque Cristo caminha conosco - até mesmo pelos Dias de Ira. Os mortos deixam seu mundo de silêncio por poucos instantes, ansiosos pelo contato caloroso com os vivos, transmitindo saberes e contando histórias, numa sala onde as vidas se unificam e mundo é todo paz. O fogo do amor arde, invisível, e fere sem sentirmos, indistinto às línguas humanas e angelicais... E a alma vibra, atormentada.

Viva Pasárgada! Viva a loucura, a beleza e o amor! Um grito de felicidade pela comoção das vidas, de lirismo pelas belas moças da gare. Um suspiro triste àqueles que amam todos e não amam ninguém (e no fim se casam com desconhecidos), ao jazigo aquático de João Gostoso...
Grite! Pule! Comemore! Enlouqueça! Ame! Sonhe! Viva! A vida é uma imensa poesia, os homens são versos e os momentos estrofes. Deixemos a beleza invadir nossas almas e a paixão enlouquecer nossos sentidos, vivamos intensa e magicamente, mesmo que por um único dia.

Feche os olhos! Sinta o floco de neve tocando seus ombros. No fim você percebe, espantosamente, que ao invés de sentir frio, o seu corpo se aquece – e o calor abrasador lhe inebria cada vez mais, até apossar-se mansamente de toda a sua alma. Então, ao explodir-se numa unificação de pura poesia, tudo que você ouve é o sussurro suave dos antepassados, distante, belo, relembrando que o mundo é apenas um breve momento: o toque de um floco na imensidão alva da alma humana.

Plumas de ninhos em teus seios; urnas
De rubras flores em teu ventre; flores
Por todo corpo teu, terso das dores
De primaveras loucas e noturnas.”²

1 – Cecília Meireles – Amada Neve/ 2 – Vinicius de Moraes – Soneto do Breve Momento

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