quinta-feira, 10 de setembro de 2009

As alvoradas e as primaveras (tempo de morangos)



Conheço uma pessoa, a Renata, que é dotada de uma capacidade que sempre admirei: A de ver, além dos os olhos humanos, a beleza que está nas coisas mais simples da natureza. Ela transforma essa beleza, todas as semanas, em belíssimos fragmentos de poesia, que publica aqui nesse periódico. Aliás, só a sua presença já é um floco de poesia pousando em branca neve.
Sempre admirei esse olhar que ela lança sobre a vida, esse talento para captar aquilo que há de mais belo nos detalhes da existência e que as pessoas, muitas vezes, ignoram. Como já dizia Drummond, “esse ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo, exige que prestemos alguma atenção à natureza”. Eu, embora pratique esse tal ‘ofício’ há muitos anos, sempre fui conhecido por não prestar atenção nas coisas, por não estar muito atento aos sutis recados que a natureza nos transmite todos os dias.
Hoje, no entanto, um súbito êxtase envolveu-me a alma. Acordei às 5h20min, como faço todos os dias, aprontei-me e fui trabalhar. Foi quando vi a linha tênue e dourada brotando na imensidão distante das montanhas. Era o Sol. Acordava silencioso, simples e calmo, enchendo a manhã com uma frescura límpida. Um leve espasmo de felicidade pulsante arrepiou-me a alma, e também eu pus-me em momento de aurora.
Aurora de vida, nascer de amor. Não amor frívolo, mas amor por mim mesmo, pela vida, pelos mágicos momentos dos sóis que nascem a cada instante na infinita manhã de nossas almas. Também há a paz. É inevitável. Ela transcende qualquer obstáculo e envolve qualquer sentimento com uma branquidão morna. E há a luz, a verde luz da esperança. Amor, paz e esperança que nascem naquele coração noturno, iluminando-o com uma manhã dourada, repleta de novas emoções, novas experiências, novos sentimentos.
Com esse sol que agora nasce, inicia-se minha primavera. É um novo período, uma nova vida. Mais leve, mais simples, sem as preocupações excêntricas da antiga. Conseqüentemente, primavera da escrita – porque minha poesia é parte de mim, nunca permanecerá estática enquanto minha própria alma está em constante e intermitente mutação.
Certa vez, indignado com minha frieza para com ele, um amigo me disse: “Você é ridículo! Ama falsamente e tenta tampar os buracos da sua alma triste com poesia!”. Hoje, enquanto olhava aqueles raios de brilhante vigor dissipando as trevas e fazendo a paz reinar, pensei nessa frase – refleti um pouco. Não, Vick, eu não sou assim! A minha vida é uma imensa poesia, os amores falsos (como o seu) é que tampam os buracos. E não sou triste, você que foi incapaz de extrair de mim qualquer vestígio de alegria.
Sorrio, acendo meu cigarro, sinto o aconchego da manhã. Não há mais palavras que descrevam a magia espetacular desse breve momento. Enfim, acho que consegui perceber a beleza das pequenas coisas. Instantaneamente, lembro-me de uma frase da Clarice: “Por enquanto é tempo de morangos!”

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